A Toms, ou quando queremos oferecer sapatos a quem não precisa


Vivemos numa sociedade que consome muito rápido e descarta ainda mais rapidamente, estamos todos prontos para apontar o dedo mas, felizmente, também estamos todos prontos para ajudar uma causa. Para o bem e para o mal, as redes sociais tornaram-nos mais sensíveis, trouxeram até nós informações que de outra forma estariam mais longe, e fizeram de nós seres mais activos em relação a tudo. Este é um fenómeno que, bem utilizado, pode ajudar as causas mais nobres, mas às vezes os ditados estão correctos e "de boas intenções está o inferno cheio".
É fácil revoltarmo-nos no sofá, à distância de um click, e quando só é preciso, da nossa parte, um like, uma assinatura ou um comentário. Mas quantos de nós estamos dispostos a saber mais sobre determinado assunto, a ler e a ouvir mais, a tentar perceber os dois lados da moeda, a perder mais tempo do que alguns segundos, e a sair do sofá para de facto ajudar?

Há um ano atrás falámos da campanha da Toms, a marca de alpercatas que prometia oferecer um par a uma criança necessitada por cada foto tirada com os pés descalços e com o hashtag #withoutshoes. Uns meses mais tarde vi uma referencia à Toms e à sua campanha "buy one give one" num documentário, onde explicavam que a intenção era boa mas o resultado era mau e até condescendente. Decidi tentar investigar um pouco mais e encontram-se alguns artigos online onde explicam que em África, a falta de sapatos não é na verdade um problema e este tipo de campanhas está a arrasar com o mercado local de produção de calçado e até roupa. As imagens que vemos de crianças a correr na rua sem sapatos é fabricada e extremista. Para além disto tudo estamos a contribuir para uma marca cuja a produção não é muito verde. Mais tarde descobri este vídeo do "Adam ruins everything" (espreitem os outros vídeos que valem a pena) a explicar tudo direitinho e com humor à mistura:



Confesso-vos que primeiro me senti revoltado e enganado, mas rapidamente percebi que a culpa não era de mais ninguém senão minha. Eu vi uma campanha que prometia uma coisa que parecia boa, li 3 parágrafos, não me questionei e segui uma trend. Todo o meu feed de instagram se encheu de pés descalços, numa campanha em que todos nos unimos para resolver um problema sério. Se tivesse parado dois segundos para pensar e ler mais um pouco sobre o assunto, tinha percebido que o problema não existia, que estava a fazer publicidade gratuita para uma multinacional e que ainda estava a prejudicar quem queria ajudar.

A Toms não é maquiavélica, eles têm outras campanhas onde estão realmente a ajudar pessoas que precisam de ajuda, mas com causas mais sérias que não a falta de sapatos. Esta é só uma campanha que mais facilmente ganha seguidores e que apenas com uma foto nos deixa a sentir pessoas melhores, que estão a apoiar uma causa social. Afinal quem não quer ajudar crianças que "precisam" de sapatos?

Eu decidi que tinha de partilhar isto convosco, não porque quero atacar a Toms mas, porque tirei algumas conclusões desta confusão toda. Daqui para a frente não vou entrar no mesmo barco que toda gente sem perceber se é seguro ou se é o titanic, vou parar de alinhar nestas mega campanhas sociais, quando não tenho informação suficiente, e tentar ajudar localmente. Fazer-me sócio de uma associação que precisa de ajuda, usar o meu trabalho para ajudar causas locais e tentar ser melhor pessoa no dia-a-dia. Acima de tudo está a importância de sabermos que causas estamos a apoiar, ter um conhecimento sério e não fazer só porque sim, porque em segundos me pareceu boa ideia.

Não estamos a culpabilizar nem a acusar de um acto horrível que participou nesta campanha, nós também o fizemos, mas como percebemos isto tudo quisemos partilhar convosco e aproveitar a situação para reflectir um bocadinho sobre situações semelhantes.

E por aí, que causas abraçam vocês? Contem-nos tudo.

12 comentários:

  1. Ainda hoje de manhã vi uma fotografia a fazer referência a essa campanha e, apesar de ter complexos com os meus pés, fiquei logo com vontade de participar. Depois de ler isto fiquei um bocado chocada. Realmente, o melhor mesmo é abraçar causas que estão perto de nós, por exemplo associações de animais da nossa zona, etc. Aí sabemos mesmo o que estamos a fazer e quem estamos a ajudar.
    Um beijinho grande :)

    http://shesina-badmood.blogspot.pt/

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    1. É isso mesmo, é mais fácil e realmente útil ajudar localmente! Obrigado querida Ana!
      um beijinho*

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  2. Já a minha avó dizia, "a caridade começa em casa". Claro que isto não significa ajudar só quem está perto, mas que não faz sentido olhar à nossa volta e ignorar os problemas próximos, porque queremos é embarcar na causa da "moda" sem saber muito bem o que significa, só porque é mais fácil. Muito pertinente este alerta.
    A próxima causa será voluntariado no banco alimentar, 28 e 29 Maio.

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    1. Obrigado!
      É isso mesmo, mas mais do que seguir modas é fazer as perguntas certas. Às vezes, fazer perguntas, quer localmente ou neste tipo de campanhas grandes, muda a nossa perspectiva por completo. :)

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  3. Em primeiro lugar quero felicitá-lo pela coragem de assumir este "deslize" do passado, e agradecer por partilhar esta informação connosco!
    Já tinha visto a campanha e achei que devia ser treta e quem é que poderia contabilizar as fotos e garantir que entregavam os sapatos, enfim fico sempre com muitas dúvidas.
    Eu não faço muito, mas tento entregar a roupa que vai ficando pequena das crianças da casa, ou diretamente a quem vejo que precisa, aceita e usa ou entrego na loja solidária do meu município.
    Sara

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    1. Olá Sara!

      Eu confesso que ponderei muito sobre escrever este post, que geralmente não falamos destas coisas por aqui mas achei mesmo que todos nós precisamos de reflectir mais e não reagir de impulso.

      beijinho *

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  4. Ainda bem que vi o teu post a tempo! Desde já dou-te os parabéns por o ter dito, pois não é toda a gente que expõe algo assim! "Quando a esmola é demais, o pobre desconfia".

    Beijocas,
    ANDA DAÍ!

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    1. Obrigado querida Sofia!

      Não fácil escrever o post mas depois de me sentir enganado, achei que devia partilhar convosco :)

      Um beijinho

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  5. Não conhecia a campanha mas obrigada por partilhares esta informação. De facto, muitas vezes queremos ajudar mas é difícil ter a certeza de como o podemos fazer de forma correcta.

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    1. Obrigado Inês!

      É isso mesmo, fazer perguntas ajuda muito!

      Um beijinho

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  6. Nem mais! Obrigada pela partilha.

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